Após o final da ditadura militar, a social-democracia ganhou uma longa estrada para implementar suas ideias. A constituição criou um governo paternalista, uma agenda de redistribuição de renda e um grande cardápio de serviços providos pelo governo. Essa nova constituição tirou a liberdade da sociedade e colocou grande parte da responsabilidade do desenvolvimento socioeconômico nas mãos do Estado e uma elite política. O poder de escolha acerca do rumo da sociedade brasileira ficou dentro das salas luxuosas de Brasília.
A liberdade traz consigo duas outras coisas: o poder da escolha e a responsabilidade. O poder da escolha faz com que o indivíduo decida como a sua vida deve ser vivida, como seu dinheiro vai ser usado, quais roupas você vai vestir, qual música vai escutar ou qual livro irá ler. O que é pouco falado da liberdade, além do poder de escolha, é a responsabilidade. A responsabilidade é uma das consequências de um indivíduo livre.
Digamos que você tem uma prova na segunda, e na sexta-feira você está em casa, e recebe um convite de um amigo para ir a um churrasco na casa dele e passar o fim de semana. Bom, você tem a opção de passar o fim de semana na casa do seu amigo ou passar o final de semana estudando para a prova. A responsabilidade, nesse caso, tem um prazo de validade que perdura até o momento que sair a sua nota – talvez até além disso. As consequências podem vir através de prazos de validade diferentes. Quando você decide jogar vídeo game até mais tarde sabendo que vai acordar cedo no outro dia, vai passar o dia todo com sono como consequência, isso fez parte de sua responsabilidade e escolha.
Imagine que você é um jovem que tem um emprego relativamente bom, consegue pagar suas despesas e no final do mês sobra alguma coisa. Você adora uma balada, curtir com os amigos, sair para uma noitada e pegar geral. Você faz isso constantemente, mas quando chega em uma certa idade, não consegue produzir como antes, a idade bate e o dinheiro que você tem já não é o suficiente para uma boa aposentadoria. Você tinha o poder de escolher pela poupança ou financiar a sua curtição (e até mesmo alguma divisão entre um pouco de cada).
Assim sendo, quando um empresário administra mal o seu negócio, o Estado não pode intervir para salvar esse empresário do seu poder de escolha na administração. Parece óbvio que subsidiar a irresponsabilidade não vai fazer as pessoas serem mais responsáveis. Assim como um empresário que faz o bom uso do seu poder de escolher, não deveria ser penalizado. Pelo contrário, deveria colher os frutos da boa administração.
O discurso dos coletivistas é simples e atraente. Existe um grupo, uma tribo, uma classe, uma sociedade que tem mais do que merece, e se fosse dado poder suficiente para “nós” – os ungidos –poderemos arrancar dos que tem mais do que merecem para cuidar de você.
Por que então delegar o nosso poder de escolha para algumas pessoas com roupas caras (que nós também pagamos) e uma fala bonita no parlamento se somos nós que vamos ter a responsabilidade de arcar com essas escolhas?
Esse texto não tem o intuito de dar qualquer solução para o liberalismo voltar a triunfar e deixar de ser uma proposta política falida, mas tem o intuito de apontar o que não deveria ser feito.
Os liberais, a meu ver, pecam em vender o seu peixe. Os discursos são muito tecnicistas, cheio de dados, números, gráficos. Veja, não discordo que os números estejam do nosso lado, como dizia a McCloskey “A liberdade criou o efeito “taco de hockey” no gráfico de enriquecimento da humanidade”. Esse não é o ponto. O ponto é que, no meio acadêmico, ou em um debate intelectual, usar palavras como “mercado”, a “mão invisível” ou “valor subjetivo” e todos esses jargões parecem muito sofisticados, mas a verdade é que esse tipo de vocabulário não toca o coração nem a razão das pessoas que realmente precisam do liberalismo. As reuniões, palestras, encontros estão sempre cheios de convertidos. São exposições para falar de convertidos para convertidos. Não estou sendo anti-intelectual, não é errado falar sobre teoria, até porque vimos o resultado de um certo debate em podcast quando não estamos bem-preparados.
Além do bom preparo e da convicção, não devemos ficar presos na bolha dos convertidos. A arma pratica para a política são as palavras e elas são usadas da mesma forma nos diferentes lugares e nos diferentes grupos da sociedade civil.
O ideal liberal é muito mais do que só “Estado mínimo” ou “o Estado não deveria se intrometer nas nossas vidas”. A liberdade é um fardo. Esse fardo é extremamente difícil de carregar. Imagine você, delegando todas suas escolhas para um grupo de políticos em Brasília. Tem coisa mais fácil do que somente culpá-los pelas más escolhas que deveriam ter sido feitas por você?
A sociedade brasileira é desesperada por um líder carismático, que tire deles esse fardo de escolher e responder por essas escolhas. É muito mais seduzente a ideia de que outras pessoas assumam a responsabilidade pela sua própria vida, e muito mais atraente pensar que a sociedade pode pagar pelas escolhas.
A veia moral do liberalismo é uma visão humilde sobre a vida, uma visão de que nenhuma outra pessoa pode dizer o que é melhor para você do que você próprio. A liberdade é um elemento que se retroalimenta. Ou seja, a liberdade é relacional.
Se o governo interfere na liberdade do empregado de oferecer seu trabalho para quem ele quiser, é uma interferência na liberdade de quem poderia empregá-lo. Se o governo decidisse, por algum motivo, interferir na minha liberdade de escrever esse texto, o governo estaria interferindo na sua liberdade de lê-lo. A liberdade de um aumenta a liberdade do outro. Ao passo que, o governo tirando a liberdade de um, tira a liberdade do outro.
O liberalismo é superior moralmente não porque tem um projeto estrutural de uma economia de mercado ou de Estado mínimo, mas sim porque o objetivo final é uma sociedade mais livre. A liberdade não é o caminho, a liberdade é o fim.