Recessão da economia brasileira no governo Dilma II
A recessão econômica de 2015 no Brasil foi um dos períodos mais desafiadores da história recente do país. Sob o governo da então presidente Dilma Rousseff, o Brasil enfrentou uma severa crise econômica que teve profundas repercussões sociais, políticas e econômicas. Essa crise foi caracterizada por uma significativa retração do PIB, por um aumento do desemprego, e por uma inflação elevada que abalou a confiança da população em geral. Analisar os últimos dez anos é fundamental para compreender não apenas os fatores que desencadearam a recessão de 2015, mas também as suas consequências. Esse período de análise oferece reflexões valiosas sobre as políticas econômicas adotadas, os impactos estruturais sobre a economia brasileira e as lições que podem ser aprendidas para evitar crises semelhantes no futuro. Além disso, entender o contexto da recessão de 2015 é essencial para avaliar o cenário político e econômico atual.
Para explicar o porquê de a Dilma estar na capa do The Economist, preciso voltar um pouco no tempo. Em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso escolheu que a ferramenta que guiaria a política econômica seria o tripé macroeconômico. Esse tripé constituía em: metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. O câmbio flutuante -adotado pela maioria dos países – é o valor do Real frente ao Dólar, determinado pela oferta e pela demanda. A meta de inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e a tarefa de garantir que essa meta seja cumprida é do Banco Central (BACEN). O Comitê de Política Monetária da entidade (Copom) usa como referência o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para usar a taxa Selic como ferramenta de controle. A cada 45 dias, o Copom se reúne e decide pela manutenção, aumento ou diminuição da taxa Selic. Se o cenário é de inflação a tendência é de elevar a Selic, para tornar o dinheiro mais caro, e por consequência, desestimular o consumo. Quando a inflação cai, o Copom pode cortar juros, para estimular o gasto e impulsionar a economia.
O terceiro pilar da política econômica era a meta fiscal, que tinha como objetivo controlar os gastos públicos para que não ultrapassasse a arrecadação do governo. Quem define a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é o Congresso Nacional, excluindo despesas com juros da dívida pública. O ponto final é o superávit primário (gastar menos do que arrecada).
Agora que já tiramos do caminho como funcionou a política econômica no governo do FHC, em que o tripé macroeconômico funcionou até meados de 2008 (governo Lula II), podemos ver adiante a crise do abandono de tal política e o encerramento do plano. Dilma se elege e entra com sua estratégia: 1° passo, a PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) que começou ainda no final do governo Lula II (e intensificou nos governos da Dilma) e a Nova Matriz Econômica (NME) como base de uma política fiscal e monetária expansionista. Na linguagem popular, o governo abre a torneira dos gastos para estimular a economia, conceder crédito subsidiado via Banco Nacional de Desenvolvimento econômico e Social (BNDES), a redução de forma artificial da taxa juros pelo BACEN e a proteção para empresas nacionais.
O objetivo da PAC era transformar os gastos públicos em um motor de crescimento da economia nacional. O governo se comprometeu a investir no setor naval, no transporte, no setor de energia e em programas federais (Programa Luz para Todos, o Programa Minha Casa).
Na metade do ano de 2006 o governo começou a ofertar crédito subsidiado de forma intensificada.
Essa política de crédito via BNDES foi guiada para criar os “campeões nacionais”: empresas grandes que o governo queria transformar em multinacionais brasileiras.
Essa política causou o resultado oposto do desejado. Como essas grandes empresas recebiam capital subsidiado, aumentavam a vantagem sobre seus concorrentes de forma que desestimulava a inovação e o aumento de produtividade. Um exemplo disso foi o forte investimento da Transpetro que encomendou diversos pedidos para estaleiros nacionais. Esses navios saíram com custo maior e pior qualidade, comparados com os navios dos estaleiros mais eficientes do mundo. Quando as encomendas foram finalizadas, os estaleiros foram incapazes de competir no mercado privado e sem mais demanda, fecharam as portas¹. O dinheiro usado ali foi perdido. Além do crédito subsidiado via BNDES, os subsídios tributários foram outra forma de tentar alavancar as “campeãs nacionais”.
A proteção à empresa nacional é outra medida na política da NME. Algumas delas foram: “Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior” (2006), “Política de Desenvolvimento Produtivo” (2008) e “Plano Brasil Maior” (2011). Essas medidas de proteção comercial não apresentavam critério de desempenho para determinar se continuaria ou interromperia os estímulos.
Sem levar em consideração os muitos casos de corrupção², boa parte dos beneficiários fora escolhidos através do lobby. A NME não procurou beneficiar as empresas mais eficientes na comercialização dos seus produtos, mas sim os mais eficientes em pedir benefícios em Brasília. Os agentes gastaram menos dinheiro em pesquisas e em inovações e aumentaram o investimento nos lobbys.
O resultado no investimento do setor naval guiada pela Transpetro (Empresa de transporte naval subsidiária da Petrobras) foi um colapso na indústria naval após o investimento no setor³.
No setor de transportes, o governo apostou em programas como Pro Caminhoneiro. Foi um programa de financiamento/arrendamento para comprar ou trocar caminhão, carretas ou afins. Isso gerou um aumento na oferta de caminhões e, consequentemente, na oferta por serviços de frete que, mais uma vez, fez o preço do serviço diminuir.
Como não houve um aumento pela demanda (procura por mais fretes), somado com o aumento do diesel o setor colapsou e gerou a greve dos caminhoneiros em 20184.
Dilma também aumentou o salário-mínimo e criou mecanismos de reajustes, o que gerou a indexação que, por seu turno, anulou os mecanismos clássicos de combate à inflação5. Essas mudanças, somado com um arcabouço de leis trabalhistas e a baixa produtividade, os custos de produção ficaram cada vez mais altos.
O BACEN começou os cortes de juros em outubro de 2011, quando estava em 12,50% e manteve a política de afrouxamento monetário até abril de 2013 com a Selic a 7.25%. A política foi mantida mesmo com a pressão na inflação.
Banco Central do Brasil (BACEN)
Para conter a inflação, a arma utilizada foi o bom e velho controle de preço. Com a MP 579, Dilma, em 2012, fez uma antecipação das concessões de energia e a redução de encargos6. Em 2013, a presidente fez um pronunciamento confirmando um corte na tarifa de 18% para residências e 32% para indústrias7.
Resultado: o governo perdeu mais de 105 bilhões de reais com a crise do setor de energia8, a Petrobras sofreu uma redução na Bolsa de 81% entre 2010 e 2015. Já na Eletrobrás, na mesma data, a perda de valor foi de 76%9. E para fechar: a inflação saiu de 5,91% em 2013, subindo para 6,41% em 2014 e chegando a 10,67% em 2015.
Banco Central do Brasil (BACEN)
Com o aumento do desemprego10, retração do PIB, queda de popularidade, escândalos de corrupção no governo e crime de responsabilidade11, Dilma foi a quarta pessoa a exercer o cargo de presidente e sofrer impeachment.
Poderia ficar confuso o porquê da política desenvolvimentista da Dilma dar errado quando testado pela primeira vez. O problema é que esse tipo de tentativa não foi a primeira. Sobre a ditadura, essa tentativa acabou em hiperinflação. Nos “50 anos em 5” de Juscelino Kubitschek, ocorreu um descontrole da inflação e da dívida externa.
Desde o pós-guerra, o Brasil utiliza a estratégia desenvolvimentista, e o aparente sucesso dessa estratégia se tornou quase uma unanimidade. Desde governantes populistas que querem perpetuar suas cadeiras nos cargos públicos, passando por empresários sedentos por receber benefícios pago pela população, até mesmo cidadãos que desconhecem as regras da economia, acreditando que governos podem dar melhores salários, menores preços e “coisas grátis”.
O Brasil é um país que experimenta as mesmas velhas práticas que o fizeram enfrentar graves problemas. É um Estado que acha que tem que puxar o desenvolvimento econômico, criar empregos, investir, empreender, comprar e vender tirando dinheiro de milhões de pessoas e decidindo por ele mesmo onde deve ser alocado. Esse Estado acredita que pode saber melhor como gastar o dinheiro de outra pessoa melhor que ela mesmo.
O governo deveria dar mais atenção para a literatura mainstream e preparar um ambiente mais favorável ao ambiente de negócios, começando com a desburocratização dos encargos trabalhistas, com a simplificação e redução tributária para atrair e facilitar o empreendedorismo, com abertura comercial, menos proteção e subsídios para empresas ineficientes e mais proteção a propriedade privada e intelectual, com a garantia de um ambiente fiscal mais seguro e previsível, com a garantia de um ambiente de concorrência e de regras isonômicas, com a melhoria do sistema de educação, com a melhoria da segurança pública e com o incentivo de tirar da cabeça da população o preconceito contra a riqueza. O brasileiro tem uma crença feia de achar que buscar pela riqueza ou ser rico é um pecado.
O Estado brasileiro precisa fazer as coisas básicas primeiro antes de querer trazer para si mais tarefas. Precisa de segurança externa, proteger seus cidadãos da violência interna, garantir um sistema de justiça que realmente funcione e precisa cuidar das pessoas que realmente necessitam (dos pobres e desafortunados e não dos amigos empresários). O melhor programa de bem-estar social é o crescimento econômico. O Estado quer que o país prospere? Então crie um ambiente em que a sociedade civil possa empreender, investir, trabalhar e trocar. Talvez se os governantes não atrapalhassem (como nossa história já nos mostrou), o Brasil teria uma chance de escapar da armadilha da renda média.
Bibliografia
1 Em colapso, indústria naval já demitiu quase 50 mil e tem dívida bilionária. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/economia/em-colapso-industria-naval-ja-demitiu-quase-50-mil-e-tem-divida-bilionaria/>. Acesso em: 1 set. 2024.
2 Pelo menos 11 escândalos de corrupção sacudiram país desde mensalão; relembre. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/06/05/pelo-menos-11-escandalos-de-corrupcao-sacudiram-pais-desde-mensalao-relembre.htm>. Acesso em: 1 set. 2024.
3 VALLE, S. Setor naval entra em colapso e estaleiros fecham no Brasil. Disponível em: <https://exame.com/economia/estaleiro-no-rio-fecha-contratos-vao-para-asia-e-setor-cola/>. Acesso em: 1 set. 2024.
4 POVO, O. Relembre como foi a greve dos caminhoneiros de 2018. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2022/03/12/relembre-como-foi-a-greve-dos-caminhoneiros-de-2018.html>.
5 DOS. Veja histórico dos últimos reajustes do salário-mínimo. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/04/15/veja-historico-dos-ultimos-reajustes-do-salario-minimo.ghtml>. Acesso em: 4 set. 2024.
6 Dilma confirma redução na conta de luz e crítica “pessimistas”. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/dilma-confirma-reducao-na-conta-de-luz-e-critica-pessimistas.html>. Acesso em: 4 set. 2024.
7 VEJA. Crise do setor elétrico criada por Dilma já custou R$ 105 bilhões, mais do que o quádruplo do apagão de 2001. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/crise-do-setor-eletrico-criada-por-dilma-ja-custou-r-105-bilhoes-mais-do-que-o-quadruplo-do-apagao-de-2001>. Acesso em: 4 set. 2024.
8 FABIO GIAMBIAGI; ANDRÉ ARRUDA VILLELA. Economia brasileira contemporânea. [s.l.] Elsevier Brasil, 2015.
9 FABIO GIAMBIAGI et al. Economia brasileira contemporânea: (1945-2015). Rio De Janeiro: Elsevier, 2016.
10 Desemprego fica em 13,7% no 1o trimestre de 2017 e atinge 14,2 milhões. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-137-no-1-trimestre-de-2017.ghtml>.
11 Especialistas entendem que Dilma cometeu crime de responsabilidade. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/05/02/especialistas-entendem-que-dilma-cometeu-crime-de-responsabilidade>.